quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Branca de Neve

Branca de Neve (2000), é um filme Português (que não é filme nem deixa de ser) de João César Monteiro e que só é filme por, aqui e ali, ser feito de imagens que ele quis que fossem filme.


Quis João César Monteiro adaptar a cinema a obra de um louco, louco com o seu juízo: a Branca de Neve do autor suíço Robert Walser. Deu-se mal, e ele próprio o confessou, num rasgo de sensatez. Vendo que não faria aquilo que queria fazer, pendurou sensatamente o casaco na objectiva e deu ordem de motor. E o filme assim ficou.

No negro do écran, começou então a ver-se coisas que ninguém vê. Sem imagem que pudesse ser vista, obrigada a isso, a objectiva virou-se para dentro, forçando o olhar do espectador, que a imita, a fazer o mesmo: soltando a imaginação, vendo o que não poderia ser visto sem o casaco do João. Seria mesmo casaco? É o que se diz. A partir daí tudo se torna possível, cada um vê o que quer ver e a Branca de Neve, despida da sua branca pureza, pode ser vista a cores. Haverá quem prefira vê-la ebúrnea, seráfica ou transparente. Mas aqui ela dá a ver o que tem de mais nua a quem de seráfico nada tem nem imagina, e bem mais do que ela deu a ver aos sete anões.

Perante isto, vendo-se coisas que não se pode ver, erguem-se vozes, gera-se o burburinho, é o escândalo. Sem imaginação, enfurecem-se os que nada vêem. Os que a têm rejubilam, afirmando que o que lá se vê são coisas indizíveis. Rejubilando bem a seu modo, fica-se o João a imaginar aquilo que eles imaginam: as carnes rosadinhas da alva menina, o tal filme que ele não conseguiu fazer. Sente-se justificado. Graças ao texto: dito por bons actores, bem reforçado por todo o paleio que se seguiu.

Concluído e estreado o filme, perante a evidência dos factos e a vozearia dos detractores, o produtor foi obrigado a devolver ao ICAM, a entidade financiadora, metade dos fundos atribuídos para a produção. Vendo as coisas à distância, garante no entanto que não se arrependeu.

Aqui ficam duas entrevistas muito curtas no final da estreia, em que é bem visível a loucura deste realizar, uma foi para a RTP1 e a outra para a SIC. Gosto especialmente daquela parte em que ele diz " quero que o público Português se foda"

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